Eu, Antônio Gonçalves da Silva, filho de Pedro Gonçalves da Silva, e
de Maria Pereira da Silva, nasci aqui, no Sítio denominado Serra de
Santana, que dista três léguas da cidade de Assaré em 5 de março de 1909. Meu pai, agricultor
muito pobre, era possuidor de uma pequena parte de terra, a qual depois
de sua morte, foi dividida entre cinco filhos que ficaram, quatro homens
e uma mulher. Eu sou o segundo filho.
Quando completei oito anos, fiquei órfão de pai e tive que trabalhar
muito, ao lado de meu irmão mais velho, para sustentar os mais novos,
pois ficamos em completa pobreza. Com a idade de doze anos, freqüentei
uma escola muito atrasada, na qual passei quatro meses, porém sem
interromper muito o trabalho de agricultor. Saí da escola lendo o
segundo livro de Felisberto de Carvalho e daquele tempo para cá não
freqüentei mais escola nenhuma, porém sempre lidando com as letras,
quando dispunha de tempo para este fim. Desde muito criança que sou
apaixonado pela poesia, onde alguém lia versos, eu tinha que demorar
para ouvi-los. De treze a quatorze anos comecei a fazer versinhos que
serviam de graça para os serranos, pois o sentido de tais versos era o
seguinte: Brincadeiras de noite de São João, testamento do Juda, ataque
aos preguiçosos, que deixavam o mato estragar os plantios das roças,
etc. Com 16 anos de idade, comprei uma viola e comecei a cantar de
improviso, pois naquele tempo eu já improvisava, glosando os motes que
os interessados me apresentavam.
Nunca quis fazer profissão de minha musa, sempre tenho cantado, glosado e recitado, quando alguém me convida para este fim.
Quando eu estava nos 20 anos de idade, o nosso parente José Alexandre
Montoril, que mora no estado do Pará, veio visitar o Assaré, que é seu
torrão natal, e ouvindo falar de meus versos, veio à nossa casa e pediu à
minha mãe, para que ela deixasse eu ir com ele ao Pará, prometendo
custear todas as despesas. Minha mãe, embora muito chorosa, confiou-me
ao seu primo, o qual fez o que prometeu, tratando-me como se trata um
próprio filho.
Chegando ao Pará, aquele parente apresentou-me a José Carvalho, filho
de Crato, que era tabelião do 1o. Cartório de Belém. Naquele tempo,
José Carvalho estava trabalhando na publicação de seu livro “O matuto
Cearense e o Caboclo do Pará”, o qual tem um capítulo referente a minha
pessoa e o motivo da viagem ao Pará. Passei naquele estado apenas cinco
meses, durante os quais não fiz outra coisa, senão cantar ao som da
viola com os cantadores que lá encontrei.
De volta do Ceará, José Carvalho deu-me uma carta de recomendação,
para ser entregue à Dra. Henriqueta Galeno, que recebendo a carta,
acolheu-me com muita atenção em seu Salão, onde cantei os motes que me
deram. Quando cheguei na Serra de Santana, continuei na mesma vida de
pobre agricultor; depois casei-me com uma parenta e sou hoje pai de uma
numerosa família, para quem trabalho na pequena parte de terra que
herdei de meu pai. Não tenho tendência política, sou apenas revoltado
contra as injustiças que venho notando desde que tomei algum
conhecimento das coisas, provenientes talvez da política falsa, que
continua fora do programa da verdadeira democracia.
Nasci a 5 de março de 1909. Perdi a vista direita, no período da
dentição, em conseqüência da moléstia vulgarmente conhecida por
Dor-d’olhos.
Desde que comecei a trabalhar na agricultura, até hoje, nunca passei
um ano sem botar a minha roçazinha, só não plantei roça, no ano em que
fui ao Pará.
ANTÔNIO GONÇALVES DA SILVA, Patativa do Assaré.
Patativa faleceu em Assaré no dia 8 de julho de 2002.
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